A China está devotada a expurgar o "vício digital" de sua população jovem, após perceber que a abertura dada ao setor tecnológico nos últimos anos, visto pelo governo como uma forma de engordar o caixa, gerou conflitos com a ideologia do Partido Comunista, liderado pelo presidente Xi Jinping.
Além de Pequim apertar fortemente a coleira no pescoço de gigantes como Tencent, Alibaba e outras, restrições pesadas ao acesso de apps e games vêm sendo impostas a menores de idade, a fim de evitar que estes se tornem cidadãos improdutivos para o País do Meio. O alvo mais recente foi a ByteDance, empresa responsável pelo TikTok.
Em uma nota publicada recentemente em seu blog na China, a companhia anunciou um novo modo de uso para o Douyin, a versão local e original do TikTok, chamado "Modo Jovem". Ele funciona em acordo com as determinações do governo, que implementou em 2020 um sistema de identificação digital, obrigatório para todos os cidadãos conectados.
Usuários identificados pelo app como menores de idade, que devem ser registrados sob observância dos pais, só poderão usar o Douyin por 40 minutos diários, sem contar que parte do conteúdo disponibilizado para consumo terá curadoria com cunho educacional, exibindo vídeos sobre experimentos científicos, exibições em museus e galerias, e paisagens naturais da China.
Desnecessário dizer que como toda rede social no ar na China, as publicações são moderadas por agentes do governo, que derrubam qualquer tipo de "conteúdo indesejável" em dois tempos.
A ByteDance se diz atenta para os casos de usuários jovens que estão usando meios para burlar o sistema de autenticação, a fim de se livrar das limitações de uso em apps e games. Para evitar isso, e ao mesmo tempo se manter alinhada com Pequim, a empresa introduziu um programa que recompensará usuários que relatarem vulnerabilidades e bugs, com vales-compra no valor de ¥ 2.000 (~R$ 1.642,16, cotação de 20/09/2021).
A onda de restrições ao acesso à internet, jogos digitais e redes sociais por menores de idade na China é visto como um ajuste do governo às permissividades concedidas ao mercado na última década. A Grande Abertura, uma série de reformas sociais e econômicas iniciadas em 1978, no governo do premiê Deng Xiaoping, permitiram ao país se modernizar e deixar de ser uma nação essencialmente agrícola, uma consequência direta do Maoísmo.
Em 2010, a China passou o Japão e se tornou a 2ª maior potência econômica do mundo, posto que ocupa até o momento, mas é preciso lembrar que no papel, o país ainda é uma nação comunista, embora tenha se tornado forte ao usar as ferramentas do capitalismo ao seu favor. O problema é que para a nação crescer, foi preciso estabelecer áreas de livre mercado, o que levou ao surgimento das grandes companhias privadas.
Focando exclusivamente no mercado digital voltado a crianças e jovens, a China permaneceu por muito tempo resistente à ideia de jogos digitais em consoles, tanto que entre 2000 e 2014, eles foram completamente banidos do país. Jogos em PC sempre foram relevados, bem como o uso de internet e redes sociais, até o momento em que o vício digital em menores começou a incomodar as autoridades.
Não é preciso ir muito longe para entender o que acontece. Por seguir oficialmente a cartilha socialista, todos sem exceção têm a obrigação de trabalhar em prol do Estado, onde tudo deveria ser de todos e para todos. Companhias como a Tencent, uma das maiores empresas de games do mundo, se não a maior, e a própria ByteDance, dona do Douyin/TikTok, entre outras voltadas a e-commerce (Alibaba), busca e IA (Baidu) e locomoção (DiDi), fizeram muito dinheiro na última década, elevando seus CEOs e executivos ao status de "celebridades", o que o governo entendeu como uma afronta à ideologia nacional.
Com isso, a administração do premiê Xi Jinping tinha argumentos suficientes para enquadrar as gigantes tech, com inúmeros processos e intervenções, de modo a impor um realinhamento doutrinário a elas. Ao mesmo tempo, havia o "dano colateral" a ser lidado, que era forçar a juventude viciada em jogos, apps e redes sociais, a focarem novamente em seus estudos e se tornarem cidadãos produtivos no futuro, pelo bem do Estado.
No início de 2020, a lei que impôs o login digital havia também determinado um tempo limite que seria permitido menores de idade passarem em jogos, que originalmente era de 90 minutos por dia, e de 3 horas nos fins de semana e feriados, sendo proibido o login entre 22:00 e 8:00 do dia seguinte. O acesso a microtransações também era limitado conforme a idade, em que menores de 8 anos eram completamente vedados a fazerem compras internas em games.
Só que Pequim decidiu que essas regras eram brandas demais, e desde o dia 1º de setembro, desceu a foice e o martelo com força: o tempo de jogo para qualquer um com menos de 18 anos passou a ser de míseras 3 horas por semana, apenas nas sextas-feiras, sábados, domingos e feriados, e em uma janela pré-determinada, entre as 20:00 e 21:00.
Paralelamente, o governo mantém o que chama de "bases para o desenvolvimento mental da juventude chinesa", um nome bonitinho para centros de reabilitação para viciados em internet e jogos digitais. Voltado para jovens adultos, eles foram centro de polêmica quando um interno de 18 anos morreu em 2017, com indícios de ter passado por vários graus de agressão física. A unidade em questão foi fechada pelo governo e seus responsáveis presos, de acordo com a rede estatal CCTV, por suposto abuso de autoridade.
Os campos, cuja gestão pode ficar a cargo de hospitais públicos ou empresas privadas, oficialmente usam acompanhamento psicológico e treinamentos físicos para diminuir o vício em games e internet dos jovens, mas especialistas dizem que as instalações são uma fachada para campos de reeducação ideológica, basicamente quartéis; a meta seria reabilitar "chineses problemáticos" e realinhá-los ao pensamento coletivo, até por ser público o regimento estritamente militar desses centros.
Vale lembrar que as restrições de uso de apps e games, com limites de dias e horários, não se aplicam a maiores de idade, mas o "exagero" por estes, ao ponto do vício digital, também não é tolerado pelo governo chinês, o que para Pequim justifica a existência e manutenção dos campos de reabilitação.
A totalidade das empresas tech foi forçada a entrar na linha, e hoje endossam as modificações apresentadas pelo governo sem questionar (era isso ou mais processos). Para os jovens chineses, igualmente não há alternativas a não ser seguirem a cartilha, diminuírem o uso da internet e jogos, consumirem o que o Estado diz que é saudável, andar na linha para não cair na lista de indesejáveis, e por fim estudarem e trabalharem muito para o crescimento da República Popular da China, do jeito que o ursi-, digo, o premiê Xi gosta.
Fonte: The Next Web
Fonte: China e a cruzada contra o vício digital dos jovens
Fonte: Terra
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